Há quase um ano, estive no lançamento deste livro – não demorei muito para começar a leitura, e quando comecei, não consegui largar até terminar. Meses depois, alguns contos ainda estão frescos em minha cabeça. Como não se identificar com a menina magricela que ganha um beijo do menino descolado? Logo eu, que também fui uma menina magricela, embora desconhecesse os apelidos jocosos dados às meninas realmente magricelas? E se não ganhei um beijo do menino descolado no primeiro bailinho, ganhei uma dança do irmão mais velho do menino descolado, mais velho e muito mais alto, talvez o único mais alto do que eu ali, talvez este o motivo para ele me tirar para dançar; uma família de cavalheiros, aquela.
Ao longo dos 19 contos do livro, Liniane vai do beijo da menina de “11-12 anos” à morte de um passarinho – pena que vira brinco, patuá quase macabro, não estivesse a própria Editora Patuá, a mesma de meu “Lua em libra”, presente no colofão de “Caranguejo”: “Fissuras afetivas, desamores que são amores: o que se passa entre esses cortes? Que magia os faz passar? Magia, benzedura, mandinga, figa, talismã, varinha de condão: Patuá”.
Liniane é, além de escritora, pesquisadora e docente, e leitora crítica das mais eficientes. Alcança a ponta do fio no meio do novelo, elogia o que há para elogiar, insiste para que se puxe os fios (ainda muito) profundamente enovelados. “Tive uma professora que dizia que o autor não acompanha a obra”, explica Liniane. Sábia professora. Recado dado, resta a reflexão sobre o que se quer que o leitor saiba deste(a) autora, para separar o joio do trigo. Nem tudo deve ser falado, nem tudo deve ser escrito. Algumas coisas devem ficar restritas à imaginação.
E é esse convite à deixar a imaginação fluir o que vejo como o grande mérito do “Caranguejo” de Liniane H. Brum: os cortes secos dos contos, sobre os quais a autora do texto de orelha, Annita Costa Malufe, nos fala (“Nós, leitores, ficamos vez ou outra no ar, suspensos por essas bruscas interrupções, confrontados com a casca de um caranguejo e suas garras”). São esses cortes abruptos que nos permitem, entre as linhas a mais que poderiam ter existido antes ou depois de cada final , preencher nossos próprios espaços, cientes de que a expectativa pelo final da história é problema do leitor, e não do autor – a este, cabe mexer com nossas emoções e sentimentos, e isso Liniane faz com muita graça e leveza.